Comentário

Porque protestam<br>os nossos suinicultores?

Miguel Viegas

Nunca foi tão evi­dente a fa­lência da atual Po­lí­tica Agrí­cola Comum, de tal forma que corre já nos cor­re­dores de Bru­xelas a ne­ces­si­dade de uma vi­ragem a partir do pró­ximo Con­selho dos Mi­nis­tros da Agri­cul­tura. Ve­remos o que tem a dizer o mi­nistro Ca­poulas Santos, o mesmo que san­ci­onou a úl­tima re­visão da Po­lí­tica Agrí­cola Comum que des­truiu todos os ins­tru­mentos pú­blicos de re­gu­lação e ins­ti­tuiu uma re­forma li­beral, ou «ori­en­tada para os mer­cados» cujos re­sul­tados estão à vista. Note-se que a PAC pri­vi­le­giou sempre as grandes pro­du­ções do Norte e Centro da Eu­ropa, com a es­ma­ga­dora mai­oria dos apoios a serem di­rec­ci­o­nados para a pro­dução de ce­reais e carne de bo­vino, so­brando poucos apoios para as pro­du­ções do Sul da Eu­ropa, no­me­a­da­mente frutos e pro­dutos hor­tí­colas frescos, vinho, suínos e aves.

A si­tu­ação da sui­ni­cul­tura na­ci­onal é pa­ra­dig­má­tica das con­sequên­cias da nossa en­trada na União Eu­ro­peia. Por­tugal era, antes da adesão, autos-su­fi­ci­ente em carne de porco. A partir da aber­tura das nossas fron­teiras às im­por­ta­ções, em 1993, a his­tória deste sector cor­res­ponde a uma su­cessão de fa­lên­cias em ca­deia, atin­gindo toda a fi­leira, in­cluindo pro­du­tores, ma­ta­douros, in­dús­trias de trans­for­mação e fá­bricas de ra­ções. Em­presas co­nhe­cidas com a Nobre, a Isi­doro ou a Fri­carnes, aca­baram nas mãos de grupos es­tran­geiros. Hoje são meros en­tre­postos de pro­dutos im­por­tados. Em traços ge­rais Por­tugal perdeu 25% do seu efec­tivo suíno nos úl­timos 25 anos e passou de uma taxa de auto-abas­te­ci­mento de 100% para uma taxa de 60%. Pas­sámos por­tanto de país auto-ssu­fi­ci­ente em carne de porco para uma po­sição de im­por­tador lí­quido.

Tal como o sector lei­teiro, a si­tu­ação da sui­ni­cul­tura em Por­tugal é gra­vís­sima. Já não bas­tava os nossos pro­du­tores de porcos terem fac­tores de pro­dução mais caros (ra­ções energia etc.), também acabam por ser pe­na­li­zados no preço pago por kg de carne pro­du­zida. Com efeito, e re­por­tando-nos às co­ta­ções de Fe­ve­reiro, o preço médio pago na pro­dução nos prin­ci­pais países (Ale­manha, França, Ho­landa, Bél­gica e Es­panha) foi de 98 cên­timos por Kg, um preço já de si muito abaixo do custo de pro­dução. Em Por­tugal, este preço foi de 83 cên­timos, o que jus­ti­fica o ac­tual es­tado de emer­gência (o custo mí­nimo de pro­dução é es­ti­mado em cerca de 1,2 euros). A Ta­bela abaixo (dados do INE) mostra a evo­lução dos preços ao longo dos úl­timos doze meses, e fala por si. Note-se que no Verão de 2015, onde é usual uma li­geira alta de preços, os preços ul­tra­pas­saram li­gei­ra­mente o nível de 2005, afun­dando-se nos meses se­guintes até ao mo­mento.

 

 

À par­tida po­derá pa­recer es­tranho este di­fe­ren­cial. Mas ele ex­plica-se por di­versos mo­tivos. Por ra­zões di­versas, Por­tugal ex­por­tava quan­ti­dades sig­ni­fi­ca­tivas de carne e trans­for­mados para a Rússia e para An­gola, cujos mer­cados estão neste mo­mento pra­ti­ca­mente en­cer­rados. Por outro lado, mais de 80% da pro­dução do mer­cado de carne de porco é co­mer­ci­a­li­zado pelas grandes ca­deias de dis­tri­buição, com a agra­vante destas usarem a carne de porco para re­a­lizar pro­mo­ções du­rante quase todo o ano. Es­tudos re­centes de­mons­tram que mais de 75% da carne de porco limpa é ven­dida ao con­su­midor pelas grandes su­per­fí­cies a menos de 1,90 euros o quilo, des­truindo por com­pleto o co­mércio tra­di­ci­onal. O mesmo es­tudo re­fere que o preço de venda ao pú­blico re­pre­senta me­tade do preço ob­ser­vado em muitos países da União Eu­ro­peia.

Não são por isso de es­tra­nhar as prin­ci­pais rei­vin­di­ca­ções dos pro­du­tores que exigem a de­fi­nição de preços mí­nimos pagos à pro­dução, bem como a cri­ação de re­gras que li­mitam o uso in­dis­cri­mi­nado, por parte da grande dis­tri­buição, de todo o tipo de pro­mo­ções, des­contos de aber­tura ou de pra­te­leira, cujo custo acaba sempre por pe­na­lizar o pro­dutor. A luta dos sui­ni­cul­tores pelo seu le­gí­timo di­reito a uma re­tri­buição digna pelo seu tra­balho cons­titui igual­mente uma luta pela nossa so­be­rania ali­mentar e exige na­tu­ral­mente um ro­tura com estas po­lí­ticas e de­sig­na­da­mente com uma Po­lí­tica Agrí­cola Comum que es­teve desde sempre ao ser­viço dos grandes grupos do agro­ne­gócio eu­ropeu.




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